Dias Atuais.
Pista de Corridas de Aqueduct, Queens, New York
— Eu quero acabar com você.
O Dr. Manny Manello girou a cabeça para a direita e olhou para a mulher que falava com ele.
Não era a primeira vez que a ouvia dizer a combinação de palavras, com uma boca que certamente tinha bastante silicone para oferecer uma boa almofada. Mas ainda assim foi uma surpresa.
Candace Hanson sorriu e ajeitou o chapéu Jackie O.¹ com uma mão bem cuidada.
Aparentemente, havia decidido que a combinação de uma dama e atrevido era sedutor - e talvez fosse para alguns rapazes.
Inferno, em outro momento de sua vida, provavelmente teria caído sobre ela, sob a teoria por-que-inferno-não. Agora? O arquivo não-tão-grande.
Sem se deter por sua falta de entusiasmo, ela se inclinou para a frente, mostrando-lhe um conjunto de seios que não fez tanto para desafiar a gravidade como mostrar o dedo médio, insultar a sua mãe e pisar em seus sapatos.
— Sei aonde poderíamos ir.
Ele apostava que sim.
— A corrida está prestes a começar.
Ela fez biquinho. Ou talvez fossem apenas os lábios em sua pós-injeção pulando fora. Deus, uma década atrás ela provavelmente fosse fresca - agora os anos adicionavam uma pátina de desespero nela, junto com o processo de envelhecimento normal, contra o qual ela claramente lutava como um boxeador.
— Depois, então.
Manny se afastou, sem responder, sem saber exatamente como ela chegou na seção dos proprietários. Deve ter sido na pressa de voltar para cima para selar no paddock e, sem dúvida, estava acostumada a entrar em lugares que tecnicamente não era permitido: Candace era um daqueles tipos sociais de Manhattan que só se distanciava de ser uma prostituta por não ter cafetão, e de muitas maneiras era como qualquer outra vespa - ignorava o incômodo e ia pousar em outra coisa.
Ou alguém, como foi.
Colocando o braço para cima para mantê-la afastada, Manny se inclinou sobre o corrimão de sua cabine e esperou que sua garota saísse para a pista. Ela foi colocada no exterior, o que estava tudo bem: ela preferia não ficar no bloco, e percorrer uma distância extra nunca a incomodou.
O Aqueduct no Queens, em New York , não estava bem no nível de prestígio de Belmont ou Pimlico, ou da mãe venerável de todas as pistas, Churchill Downs. Não era cocô de cachorro, no entanto. A instalação tinha uma boa milha e um oitavo de terra, e também um relvado e pequeno curso. A capacidade total era de aproximadamente noventa. A comida era medíocre, mas ninguém ia até lá para comer, e haviam algumas grandes corridas, como a de hoje: o Wood Memorial
Stakes tinha uma bolsa de US$ 750.000, e como era realizada em abril, era uma boa referência para os competidores da Triple Crown².
Ah, sim, lá estava ela.
Lá estava sua menina.
Enquanto os olhos de Manny travavam em GloryGloryHallelujah, o barulho da multidão, a luz brilhante do dia e a linha sacolejante dos outros cavalos desapareceu. Tudo o que via era seu magnífico potro preto, o pelo pegando o sol e brilhando, as pernas magras flexionadas, seus cascos delicados ondulando fora da terra da pista e assentando de novo. Com aproximadamente 1,70m de altura, o jóquei era um inseto minúsculo tostado nas costas dela, e o diferencial de
tamanho era o representante da divisão de poder. Ela deixou claro desde o primeiro dia de sua formação: podia ter que tolerar pessoas chatas, mas eram apenas para passear. Ela estava no comando.
Seu temperamento dominador já tinha custado dois treinadores. O terceiro agora?
O cara parecia um pouco frustrado, mas era apenas seu senso de controle recebendo caça à morte: os tempos de glória estavam pendentes - e simplesmente não tinham nada a ver com ele. Manny estava sumariamente despreocupado com os egos inflados dos homens que empurravam cavalos
em torno de uma vida. Sua garota era uma lutadora, e sabia o que estava fazendo, e não tinha problemas em deixá-la ir e ver com que diversão enterrava a concorrência.
Quando seus olhos focaram nela, se lembrou do otário de quem a comprou há pouco mais de um ano atrás. Vinte mil foi um roubo, dada sua ascendência, mas também era uma fortuna por seu temperamento e o fato que não ficou claro se ela seria capaz de obter seu cartão de corrida.
Tinha um ano de idade, indisciplinada, na iminência de ficar afastada - ou pior, virar comida de cachorro.
Mas ele estava certo. Desde que deu a ela o controle e a deixou dirigir o espetáculo, ela foi espetacular.
Quando a programação se aproximou do portão, alguns cavalos começaram a pisotear, mas sua garota estava firme, como se soubesse que era inútil desperdiçar sua energia nessa besteira antes do jogo. E realmente gostava de suas chances, apesar de sua posição na pole, porque este jóquei nas suas costas era uma estrela: sabia exatamente como lidar com ela, e nesse sentido, era
mais responsável pelo seu sucesso que os treinadores. Sua filosofia com ela era só para ter certeza que via todas as melhores rotas fora do bloco e depois deixar que ela escolhesse e fosse.
Manny levantou e agarrou a grade de ferro pintada na frente dele, se juntando a multidão que se erguia dos bancos e estalava incontáveis binóculos. Quando seu coração começou a bater forte, ficou feliz, porque fora do ginásio estava próximo do sedentarismo ultimamente. A vida que levava era uma dormência terrível no último ano, e talvez isso fosse parte da razão pela qual este potro era tão importante para ele.
Talvez fosse tudo que tinha, também.
Não que estivesse indo por aí.
No portão, era um caso de se mover, mover, mover: quando tentava prender quinze cavalos, amarrando suas pernas como varas e as glândulas supra-renais disparando como morteiros em caixas de metal minúsculas, você não desperdiça tempo. Dentro de um minuto ou assim, o campo estava fechado e as pistas restringidas pelos trilhos.
Um batimento cardíaco.
Sino.
Bang!
Os portões foram liberados e a multidão rugiu - os cavalos avançavam como se fossem lançados por canhões. As condições eram perfeitas. Seco. Fresco. A pista era rápida.
Não que sua menina se importasse. Correria na areia movediça, se fosse preciso.
O puro-sangue trovejou, o som de cascos coletivo e a batida da voz do locutor chicoteando energia nas arquibancadas num êxtase. Manny ficou calmo, porém, mantendo as mãos no ferro à sua frente e seus olhos sobre a pista quando o bloco contornou a primeira curva num nó apertado de costas e rabos.
O telão mostrava tudo que precisava ver. De sua égua em segundo passando, mas todos a galope, enquanto o resto ficava atrás - inferno, seu pescoço nem estava completamente estendido. Seu jóquei, no entanto, estava fazendo seu trabalho, dirigindo-a para fora da pista, dando-lhe a escolha de correr ao redor do outro lado do bloco ou cortar quando estivesse pronta.
Manny sabia exatamente o que ia fazer. Entraria pela direita através dos outros cavalos, como uma bola de demolição.
Esse era seu caminho.
E com certeza, uma vez que saísse na reta distante, começaria a pegar fogo. Sua cabeça abaixou, o pescoço alongou e seu passo começou a esticar.
— Porra. — Manny sussurrou. — Faça isso, menina.
Quando Glory penetrou no campo abafado, se tornou um relâmpago cortando os outros corredores, sua explosão de velocidade tão poderosa que se tinha que saber que fazia isso de propósito: apenas vencer todos não era o suficiente, mas ela tinha que fazê-lo meia milha atrás, soprando fora as selas dos bastardos no último momento possível.
Manny riu no fundo de sua garganta. Ela era tão seu tipo de mulher.
— Cristo, Manello, olhe para ela.
Manny assentiu com a cabeça sem olhar para o cara que falou no seu ouvido, pois a frente do grupo estava mudando: o potro que estava na liderança perdia sua força, caindo para trás enquanto suas pernas pareciam ficar sem gás. Em resposta, seu jóquei o aparou, chicoteando o traseiro - que teve o mesmo sucesso que alguém amaldiçoar um carro cujo tanque estava vazio. O potro em segundo lugar, uma castanha grande com uma atitude má e passo tão largo quanto um
campo de futebol, aproveitou imediatamente o abrandamento, seu jóquei deixando que o cavalo esticasse sua cabeça.
O par ficou emparelhado por apenas um segundo antes da castanha assumir o controle da corrida. Mas não seria por muito tempo. A menina de Manny escolheu seu momento de tecer entre um nó de três cavalos e chegar em sua bunda, ficando mais colada que um adesivo.
Sim, Glory estava no seu elemento, orelhas junto da cabeça, os dentes arreganhados.
Ia comer seu almoço de merda. E era impossível não extrapolar para o primeiro sábado de maio e no Kentucky Derby...
Tudo aconteceu tão rápido.
Tudo chegou ao fim... Num piscar de olhos.
Com uma batida lateral deliberada, o potro acertou forte em Glory, o impacto brutal a tirando da pista. Sua menina era grande e forte, mas não era páreo para um choque de corpo assim, não quando ia a sessenta e quatro quilômetros por hora.
Por um segundo, Manny esteve convencido que se recuperaria. Apesar do jeito como resvalou e mexeu, esperava que encontrasse seu equilíbrio e ensinasse ao bastardo indisciplinado uma lição de boas maneiras.
Só que ela caiu. Bem na frente dos três cavalos que tinha ultrapassado.
A carnificina foi imediata, cavalos virando para evitar o obstáculo em seu caminho, jóqueis apertando suas pernas na esperança de ficar em suas montarias.
Todo mundo fez isso. Exceto Glory.
Enquanto a multidão ofegava, Manny se atirou para a frente, estourando por cima da cabine e, em seguida, saltando sobre as pessoas, cadeiras e barricadas até que desceu para a pista em si.
Ao longo da trilha. Para a terra.
Ele correu para ela, seus anos de atletismo o levando a uma velocidade vertiginosa para a vista.
Estava tentando levantar. Abençoado fosse seu coração grande, forte, ela estava lutando para se levantar da terra, os olhos treinados no bloco como se não desse a mínima que estivesse ferida, só queria se encontrar com quem a tinha deixado na poeira.
Tragicamente, sua perna dianteira tinha outros planos para ela: enquanto se debatia, a pata direita falhou abaixo do joelho, e Manny não precisava de seus anos como cirurgião ortopédico para saber que ela estava em apuros.
Grandes problemas.
Quando chegou até ela, seu jóquei estava em lágrimas.
— Dr. Manello, eu tentei, oh, Deus...
Manny derrapou na lama e se lançou para as rédeas enquanto os veterinários se dirigiriam a uma tela erguida em torno do drama.
Enquanto os três homens uniformizados se aproximavam dela, seus olhos começaram a enlouquecer de dor e confusão. Manny fez o que pôde para acalmá-la, permitindo-lhe balançar a cabeça, tanto quanto queria, enquanto acariciava o pescoço dela. E ela desabou quando atiraram nela com um tranquilizante.
Pelo menos o mancar desesperado parou.
O veterinário chefe olhou para a pata e balançou a cabeça. O que no mundo das corridas era a língua universal para: ela precisa ser sacrificada.
Manny ergueu o rosto para o cara.
— Nem pensar nisso. Estabilize o intervalo e a leve para Tricounty agora. Claro?
— Ela nunca vai correr de novo, isto parece uma multi...
— Leve meu cavalo para fora desta maldita pista até Tricounty!
— Não vale a pena...
Manny agarrou a frente da camisa do veterinário, e arrastou o Sr. Sem Esforço até que estivessem cara a cara.
— Faça-o. Agora.
Houve um momento de total incompreensão, como se ser maltratado por alguém fosse coisa de uma criança levada.
E só quando ficou muito claro, Manny rosnou:
— Não vou perdê-la - Mas estou mais que disposto a derrubá-lo. Bem aqui. Agora.
O veterinário se encolheu longe, como se soubesse que estava em perigo de ser estapeado numa boa.
— Tudo bem... Tudo bem.
Manny não estava disposto a perder seu cavalo. Nos últimos doze meses, pranteou a única mulher com quem já se preocupou, questionou sua sanidade, e foi levado a beber uísque, embora sempre tivesse odiado a merda.
Se perdesse Glory agora... Realmente não sobraria muita coisa em sua vida, ele faria.
2. Nota da Tradutora: Nos Estados Unidos, as três pistas que compõem a Tríplice Coroa são:
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1. Nota da Tradutora: Alusão aos chapéus usados por Jaqueline Kennedy Onassis.
2. Nota da Tradutora: Nos Estados Unidos, as três pistas que compõem a Tríplice Coroa são:
1. Kentucky Derby, (2,01 km ), pista de terra em Churchill Downs , em Louisville, Kentucky;
2. Preakness Stakes, (1,91 km ), pista de terra em Pimlico Race Course , em Baltimore, Maryland;
3. Belmont Stakes, (2,41 km ), a faixa mais longa de terra em corridas de cavalos, em Belmont Park , em Elmont, New York.
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