sábado, 26 de maio de 2012

Treze


“Perceptiva, ” Kairos disse, sua voz tão dura quanto sua expressão.

Meus tênis amarelos rangeram enquanto eu me virava para correr, mas não havia lugar algum para ir. Em um borrão de movimento, Nakita estava ao meu lado, e recuei para ficar fora de seu alcance. Fazendo careta, ela me empurrou, e eu caí. Meu cotovelo bateu no granito preto, abalando-me até a minha espinha. Eu tentei ficar de pé, caindo novamente quando a Nakita forçou um pé sob mim e me rolou de costas.

Eu congelei enquanto ambos ficavam sobre mim, o odor de terra subindo de uma mancha na perna de Nakita.

A pedra preta nas minhas costas estava gelada com o frio da noite, e o céu possuía uma cor delicada e transparente.

“Como o destino dos anjos pode cair rapidamente,” Kairos disse, suas palavras subindo e caindo como música. Uma vez eu pensara que podia ouvir o oceano em sua voz – que ele fora lindo, incorporando elegância, refinamento, sofisticação – mas tudo que sobrara fora um fedor de água salgada morta, fedendo e pútrida.

Meus olhos pestanejaram para a gadanha em sua mão, e eu a reconheci como a que me matara no fundo da barragem.

“De novo não!” eu balbuciei, atirando-me para escapar. Minhas costas encontraram um pilar, e eu deslizei costas acima para ficar com meus dedos apertando os sulcos levantados. Arfando em reflexo, eu abaixei enquanto Nakita balançava sua lâmina para mim.

Um estralar afiado ecoou pelo ar, e eu olhei para cima para ver que Kairos sustentava sua própria lâmina, retardando um golpe mortal com uma facilidade assustadora.

“Paciência, Nakita,” o timekeeper negro disse. “Você pode matá-la, mas não até que eu recupere o corpo. Os três tem que se juntar de uma só vez; de outra maneira, nada muda. Eu simplesmente preciso de um momento para achá-lo.”

Eu escapei, tentando colocar um espaço entre nós. O olhar de Nakita voltou-se para mim. “Você me disse que estava próximo.”

“Está. Você me dá um momento para me concentrar? Uma vez que eu o encontro, estará aqui, e você poderá matá-la.”

Ele soava irritado, e eu fiquei de pé, aterrorizada, sem saber o que fazer. Claro, eu tinha fugido, mas não ia a lugar algum. Eu estava numa ilha. Eu conhecia a sensação da terra quando água batia em todos os lados.

“Kairos, devolva o meu corpo e me deixe ir, e eu lhe darei seu estúpido amuleto,” eu disse enquanto escaneava o horizonte aberto procurando por uma saída, mas eu tremia, e amaldiçoei minha voz quando ela tremulou. “Não ligo se sou a timekeeper aspirante. Tudo que eu quero é ser deixada em paz, está bem?”

Kairos riu, jogando sua cabeça para trás e deixando o longo som rolar, e eu percebi que Nakita tinha pestanejado às minhas palavras. Ela não soubera. Kairos não tinha lhe contado. Eu fora um erro para ela, nada mais.

“Quem te disse?” Kairos  perguntou, esfregando um olho. “O Ron que não foi. Ou você descobriu? Incrível. Eu tenho plenas intenções de te devolver seu corpo, porque até que morra e parta, você me devolvendo meu amuleto não me permitirá usá-lo.”

“Consigo me dissociar dele,” eu disse. “Aprendi como fazê-lo ontem. Será totalmente seu. Ron pode me fazer um novo. Simplesmente devolva meu corpo e me deixe ir, está bem?”

O ar mudou, e eu girei. “Ron!” gritei quando o vi. Barnabas. Ele está bem? Então meus olhos se estreitaram.

Por que eu estava feliz em ver o Ron?

Nakita lançou-se para frente para agarrar meu braço, e lutei com ela – até encontrar sua lâmina na minha garganta, a joia do tamanho de um dedão e de aparência mortal brilhando sem vida a centímetros do meu olho. Droga!

Como ela se moveu tão rapidamente? A declaração de Kairos que meu corpo estava por perto congelou meus músculos. Se ele o apresentasse, ela podia me matar de vez.

“Tarde demais, Ron,” Kairos disse, rindo suavemente para minha surpresa. “Que engraçado,” ele disse levemente para Nakita. “Um mestre do tempo se atrasando.”

Meus pés escorregaram na pedra lisa. Se não fosse pela Nakita me pegando, eu teria me cortado em sua lâmina. Eu estava tão assustada.

Ron curvou sua cabeça. O novo sol brilhava nele, iluminando a determinação em seus olhos quando sentou seu olhar de volta para mim. Determinação e... culpa? Estava na porcaria da hora.

“Solte-a, Nakita,” ele disse persuasivamente. “Kairos não pode te ajudar, mesmo que ele consiga seu amuleto de volta. Madison é uma Keeper aspirante. Já está decidido o lugar de quem ela tomará."

Sua respiração saiu suavemente, e enquanto seu aperto em mim afrouxava-se, eu consegui sentir sua confusão.

Kairos marchou para frente, dizendo, “Eu não menti. Não saberei com certeza que não consigo fazer isso até que tente.”

“Ela é uma timekeeper aspirante?” Nakita questionou, e eu me mexi quando sua espada se moveu suavemente, mudando do meu pescoço para apontar para ele.

Vendo isso, Kairos hesitou com uma rapidez cômica. Ela ainda estava me segurando, contudo, seu braço ao redor do meu pescoço. Choque apareceu em
seus traços refinados, o que ele rapidamente escondeu.

“Nakita,” ele persuadiu, “eu posso ser capaz de ajudá-la. Guarde sua lâmina.”

“Você me disse que podia arrancar o medo de mim,” Nakita disse, segurando-me mais apertadamente. “Você me disse que os serafins cantaram que ela estava destinada a morrer, e para que a levasse. Ela é uma timekeeper aspirante? Você me mandou gadanhar uma timekeeper porque teme a morte? Chronos acredita nela!”

A voz de Nakita trovejou na minha orelha, a raiva justa de uma anjo injustiçada. A bainha da veste de Kairos tremeu enquanto ele deu três passos para trás, sua mandíbula apertada. O instante pareceu hesitar, e me perguntei se estava sendo presa para ser morta... ou protegida.

“Então eu menti,” Kairos admitiu, retornando para sua mesa e virando de lado para cutucar o jarrinho na bandeja. Sua sombra do sol nascendo esticava-se longamente para tocar meus pés, e eu estremeci enquanto a luz brilhava em seu amuleto menos poderoso. “Eu comandei tanto você quanto o tempo por mais de mil anos, Nakita. Eu não vou sair silenciosamente porque os serafins decidiram que era hora de eu me aposentar, ensinar outro, e desaparecer para a morte. E não por uma garota que não é velha o bastante para contar como mulher.”

“Ela é tão velha quanto você era quando assassinou seu predecessor,” Ron disse amargamente. “É engraçado como essas coisas funcionam.”

O lábio superior de Kairos tremeu, mas seus olhos estavam fixos nos de Nakita. “Ela não pode ser uma timekeeper,” ele disse firmemente. “Ela está morta. Eu mesmo a matei.”

Ron deu um passo mais para perto, hesitando quando a espada de Nakita mudou, por um instante, para ele, e então de volta para Kairos. “Ela roubou o seu amuleto,” ele disse. “Não acho que importe qual o estado de vivacidade dela seja se ela conseguiu isso. Madison já reivindicou seu direito de nascença. Ela arrancou o controle de uma anjo da guarda de mim ao simplesmente nomeá-la, e ela agora está protegida pela Nakita. É tarde demais. Você perdeu, Kairos. Acabou. Deixe-a ir. Aceite isso.”

E, ainda assim, eu ainda estava no agarro de uma ceifadora negra.

“Kairos?” Nakita perguntou, sua voz aguda enquanto ela lutava para juntar todos os pedaços. Eu estava junto dela, e uma onda de tontura fez meus joelhos ficarem fracos. Assustada, eu endureci enquanto o vento suave deslocava meu cabelo para meus olhos, momentaneamente bloqueando Kairos da minha vista com a espada parada de Nakita entre nós.

“Não sou a timekeeper negra aspirante,” eu disse enquanto Nakita me puxava para trás. “Sou a branca aspirante. É por isso que quero trocar com Kairos seu amuleto pelo meu corpo. Ron, ele tem o meu corpo. Eu posso voltar a ser do jeito que era! Diga a ele que posso acabar com a minha influência no amuleto dele.”

Meu olhar desviou-se para Kairos, vendo sua descrença. “Eu posso! Já fiz antes! Ron, diga a ele! Diga a ele que sou a timekeeper branca aspirante!”

Mas Ron olhava para o chão, me assustando.

Com um falsa tranquilidade, Kairos despejou um líquido âmbar numa taça de cristal, bebericando-o ligeiramente antes de assentá-lo. “Ainda não entendeu tudo?” ele disse. “Você estava destinada a ser minha estudante, Madison; por que mais eu gadanharia você? Ron não pode te receber mesmo que quisesse. Ele está ensinando o timekeeper branco aspirante há mais de um ano.”

Mas que... Meu olhar frenético foi até Ron, lendo em sua expressão abatida que Kairos dizia a verdade. “Seu filho de um cachorrinho morto,” eu sussurrei. "Você sabia? Você está ensinando outra pessoa? É por isso que você me passou pro Barnabas?”

Ron estremeceu. Ele deu um passo para frente, e Nakita me puxou dois passos pra trás. Enojada, eu saí do aperto de Nakita e fiquei ereta no dia novo com meus próprios poderes. A ceifadora negra encarou o sol e ajoelhou-se com sua espada sobre um joelho e sua cabeça encurvada - ela parecia estar rezando, o cabelo escondendo seu rosto enquanto um lamento suave e lúgubre saía dela.

“Eu fiz isso pela humanidade, Madison,” Ron disse persuasivamente. “Você poderia acabar com as mortes injustas se eu pudesse fazer você se aliar comigo. Pense nisso! Um timekeeper negro que acreditasse em escolha? Não haveria mais gadanhadas, nada mais de vidas encurtadas. Kairos seria despojado do poder, deixando apenas paz para trás quando você tomasse o lugar dele.”

“Por que ela se aliaria a você?” Kairos exclamou. “Você a escondeu dos serafins por atrás de alegações e investigações, negou sua existência daqueles que teriam corrigido as coisas. Foram as suas próprias ações que forçaram que a verdade da existência dela saísse de onde ambos a tínhamos escondido para que pudéssemos brigar por ela como cães brigando por restos. Você sussurrou falsas verdades no ouvido dela até que as escolhas dela fossem as que você queria. Você passou o ensino dela para um ceifador, dando-lhe uma tarefa que você sabia que ele não conseguiria lidar enquanto você ensinava aquele destinado a te substituir, com a intenção de deixar Madison destituída de habilidades no caso da verdade vir a tona e ela tomar meu lugar, seguramente ignorante e em desvantagem.” Kairos virou-se para mim, nojo em seus olhos. “E você o deixou.”

Minha cabeça se moveu para frente e para trás em negação. Eu não soubera. Como eu poderia?

Eu pulei quando Nakita ficou repentinamente ao meu lado, o gentil toque de suas asas roçando em mim. Sua espada tinha desaparecido, e eu encarei-a, vendo sua confusão, sabendo o que ela estava sentindo, já que eu mesma o estava: traição, desalento, medo.

“Pelo menos eu não tentei matá-la,” Ron resmungou.

“Não, você a manteve ignorante.”

“Fui eu quem a salvei!” Ron gritou de volta.

“Você não me salvou,” eu disse, os lábios mal se movendo. “Eu morri. Lembra-se?”

A brisa leve vinda da praia levantou meu cabelo para fazer com as pontas roxas fizessem cócegas na minha bochecha. Eu tentei entender. Não fazia sentido. Eu não podia ser uma timekeeper negra aspirante. Eu não acreditava em destino.

Ron foi para frente, e eu saí da minha confusão. “Pare!” eu gritei, agarrando meu amuleto com a outra mão esticada, e ele hesitou, frustrado.

“Os serafins decidiram que Madison deveria tomar seu lugar?” Nakita disse, sua voz rachada. “Você me mandou matar aquela que seria minha mestre? A próxima que defenderia a vontade dos serafins?”

Kairos franziu sua testa para ela. “Ela não seria sua nova mestre se você me deixasse destruir a alma dela. Sem ela, viverei para sempre, capaz de reivindicar um lugar numa corte mais alta.” Kairos ficou numa posição arrogante. “Serei imortal. Imortal, Nakita!” ele disse, sua expressão tornando-se fervorosa enquanto ele gesticulava, quase derrubando sua xícara. “Seria o bastante para mudar as marés do time à nosso favor para sempre. Imagine isso!”

“Você prometeu me ajudar,” Nakita sussurrou, sua voz mais suave que o vento.

Kairos espiou-a com irritação, mas seus olhos estreitaram-se quando ele percebeu a ameaça que ela era.

“Dê-me seu amuleto,” ele disse, esticando sua mão, e quando ela não deu, ele marchou para frente, raiva e dominância em seu movimento.

Eu reprimi uma arfada quando Nakita me empurrou para trás dela, e meus pés lutaram para me manter ereta.

Houve um barulho agudo que parecer fazer a nova luz solar estremecer, e quando eu olhei, o amuleto de Nakita estava na mão do Kairos e ele estava caminhando para a mesa próxima. Ele a tinha deixado inofensiva. Porcaria. E agora?

“Ainda sou seu mestre, sua anjo ignorante,” ele disse enquanto a fonte de poder de Nakita tinia sobre a mesa; então seu sorriso gelou meus ossos. “Agora. Madison. Sobre o seu corpo.”

Ah, Deus. Ele tinha o meu corpo. Ele podia destruir a minha alma. Ron ficou de pé sem se mover, não que eu esperasse algo dele.

Nakita caiu de joelhos perante Kairos, seu rosto pálido e uma faixa de umidade escorrendo de seu olho.

“Você disse que podia me fazer melhorar,” ela disse, luto claro em seu tom. “Eu não quero ter medo.”

Apesar do meu próprio medo, pena cresceu por mim. Ela estava caída, um anjo duplamente traído. A inocência de uma coisa selvagem com poder com o conhecimento da morte.

“Você prometeu, Kairos,” Nakita disse suavemente enquanto lágrimas derramavam dela e ela as enxugava, choque mostrando-se brevemente na presença delas. “Eu sofri, asas negras comendo minha memória. Memória é tudo que eu tenho. Eu acreditei em você. Você me mandou matá-la porque teme a morte?”

“Serei imortal!” Kairos berrou, sua raiva explodindo. “Como você pode presumir saber como é temer a morte? Você existe desde que os tempos começaram e continuará a existir até que acabem!”

Nakita ficou de pé, o ar tremeluzindo onde suas asas estariam. “Eu sei como é temer a morte, mas eu ainda vivo pela vontade dos serafins,” ela disse, sua voz tremendo. “Eu vivo por ela, e você morrerá por ela.”

Kairos sorriu forçadamente, tateando o amuleto dela na mesa. “Como, Nakita? Você pertence a mim.”

Mas então ela puxou uma pedra branca de seu cinto, amarrada por um arame preto e enlaçado por uma simples corda preta. Não parecia com o amuleto que eu devolvera a ela na floresta, e Kairos balançou sua cabeça como se não significasse nada – até que ela esfregou um dedão por ela e o que pareceu ser sal caiu para mostrar uma simples pedra preta brilhando infinitamente. Era a pedra que eu devolvera para ela na floresta. Como se eu tivesse sido sua guardiã. Eu o manchara com minhas lágrimas – presenteando-a com um símbolo do meu luto e como reparação por ter quebrado a pureza de sua existência.

A mão da Nakita fechou ao redor dela. “Eu te aceito,” ela disse para mim, apesar de sua careta assustadora ser para o Kairos.

“Não!” eu berrei, esticando-me quando o brilho de sua espada relampejou um negro puro. Nakita pulou para frente para mandar sua lâmina limpamente pelo Kairos.

Ron deu vários passos a frente, gritando em desalento, mas era tarde demais. Estava feito.

Kairos olhou para seu meio desmarcado, pestanejando quando levou seu olhar para cima, fixando primeiro na pedra violeta, então em seus olhos. “Você falhou conosco,” ele sussurrou, e então sofreu um colapso.

Nakita esticou-se e capturou-o gentilmente, quase amorosamente, enquanto colocava suavemente o timekeeper negro no chão polido. “Destino, Kairos,” Nakita sussurrou, chorando enquanto suas mãos deslizavam dele, e ela fechou os olhos dele para que não olhassem para o céu. “Os serafins decidiram que ela tomaria seu lugar. Seu tempo havia passado. Não há fracasso, Só há mudança.”

“Ai meu Deus!” eu gritei, horrorizada enquanto ficava parada lá. “Você o matou! Como pode...? Ele está morto!”

Ron fez um som de arrependimento, e eu virei para ele, aterrorizada. Se Kairos estava morto, então isso significava – “Ele não está morto,” eu balbuciei. “Diga-me que ele não está morto.”

“Ele se foi,” Ron disse, e eu saltei de volta quando Nakita ficou repentinamente perante mim, ajoelhando e oferecendo-me sua espada.

“Nakita, não!” eu berrei, em pânico.

“Minha senhora,” ela insistiu, dor em sua expressão frágil. “Eu sou imperfeita.”

“Para. Para!” eu disse, frenéticamente enquanto tentava fazê-la se levantar. Ela era tão linda. Ela era um anjo. Ela não deveria estar se ajoelhando perante mim. “N-não faça isso,” eu gaguejei. “Não sou a timekeeper negra.”

Eu olhei para Ron, de pé com suas mãos entrelaçadas perante ele.

“Você é a guardiã da justiça invisível,” Nakita disse, sorrindo pra mim, “sancionada pelos serafins. Capaz de rastrear o tempo e curvá-lo a sua vontade.”

“Não sou não!” eu insisti, espiando o corpo de Kairos. Nakita tinha acabado de matá-lo!

Ron suspirou pesadamente o bastante para que eu escutasse. “Sim, você é.”

Meu olhar foi para ele, e eu endureci. Uma figura estava atrás dele, difícil de se ver contra o sol nascente.

Ron viu onde estava a minha atenção e virou-se. Um som estrangulado escapou dele, e ele saiu entre nós. Era um serafim. Tinha que ser.

“Sangue foi derramado na casa de um timekeeper,” o serafim disse, sua voz tanto musical quanto dolorosa.

Ela carregava o poder de marés e as gentis carícias das ondas sobre a praia, e eu quase chorei ao ouvir isso.

Eu não conseguia aguentar isso. Era demais.

“Um sacrifício para que você ouça meu apelo.” Nakita ficou de pé perante o serafim com sua cabeça curvada, mas sua espada ainda estava no meu pé, e eu a peguei.

O serafim assentiu, e eu me perguntei se deveria me curvar ou fazer reverência ou me ajoelhar ou coisa assim. Ah, Deus. Era uma porcaria de um serafim, e aqui estava eu, de meias amarelas e brincos de caveira.

“Ela tomou seu lugar,” Nakita disse. “Eu a apresento a você e peço uma dádiva. Quero ser como eu era. Estou danificada.” Ela olhou para cima, lágrimas desfigurando seu lindo rosto. “Eu temo, serafim.”

“Isso não é um dano, Nakita,” o serafim disse gentilmente. “Isso é um presente. Regozije em seu medo.”

O serafim se virou para mim, e minha boca ficou seca. “Não sou a timekeeper negra,” eu balbuciei, empurrando a espada de Nakita de volta para ela até que ela a pegasse. “Não posso ser! Eu não sei nada!”

“Você saberá. Com o tempo,” o serafim disse, divertimento destorcido em sua voz. “Até lá, manterei tudo funcionando tranquilamente. Não demore muito. Minha voz já faz falta nos coro.”

“Mas não acredito em destino!” eu exclamei. Meu olhar foi para Ron; estava pensando que estava tendo dúvidas sobre a escolha, também.

“Acreditar no destino não é um requisito,” a voz musical disse, o serafim parecendo tomar o mundo inteiro, apesar de não ser muito maior que eu. “Kairos não acreditava. Aparentemente.”

Eu inspirei rapidamente quando ele olhou para longe de mim e se fixou em Ron.

“Você acredita, contudo. Apesar de tudo que diz ao contrário.”

Ron não se moveu até que o serafim desviasse o olhar; então ele afundou em alívio.

“Mas eu não quero o trabalho!” eu disse, frenética de que o que eu queria não parecia importar.

“Por favor, não posso simplesmente ter meu corpo e as coisas voltarem a ser como eram?”

O serafim pestanejou, parecendo chocado - se uma emoção dessas pudesse ser aplicada às divindades.

“Você não quer isso?” ele perguntou, e Ron deu um passo para frente como se para protestar.

“Não!” eu disse, sendo enchida por esperança. “Eu só quero ser eu.” Apressada, eu puxei a pedra ao redor do meu pescoço. Reunindo a minha coragem, me lancei para frente, empurrando o amuleto nas mãos do serafim. Meu coração martelava novamente, e, envergonhada por não poder controlá-lo, eu recuei, me perguntando se havia quebrado uma regra por chegar tão perto. Eu não conseguia olhar para seu rosto. Doía.

O serafim olhou para o amuleto em seus dedos luminescentes como se segurasse um grande tesouro.


A pedra estava queimando um preto infinito, os fios prateados agora um dourado quente. “Você já é você.”

“Por favor,” eu implorei, desviando um olhar para Kairos, morto nos azulejos e esquecido. “Pode simplesmente me transformar em quem eu era? Colocar-me de volta no meu corpo?”

A esperança me animou quando o serafim sorriu tão brilhantemente que eu espremi meus olhos.

“Se assim escolher,” ele disse, um humor inesperado em sua voz. “Onde está?”

Meu grito entusiasmado morreu em desalento. “Kairos o tinha,” eu disse, sentindo-me enjoada quando meu olhar pousou em Nakita, então em Ron, silencioso nos fundos. Ele não era de ajuda alguma, e me virei para o serafim.

“Deve estar na casa,” eu disse, virando-me e me sentindo nua sem o amuleto ao redor do meu pescoço.

“Já teria apodrecido por ora,” disse Ron.

Horror levantou-se por mim, e então medo. O Kairos havia deixado meu corpo para apodrecer? Isso tudo tinha sido em vão?

“Ele está certo,” o serafim disse. “Seu eu corpóreo não está aqui na terra.” eu tropecei até a mesa, sentando-me pesadamente, minhas pernas não mais capazes de me segurar de pé.

Meus cotovelos ficaram na mesa azulejada, e eu derrubei a xícara de Kairos. Arrastando-me, eu a endireitei, me perguntando o por que. Ninguém vai beber isso. É a bebida de um homem morto.

“Ele disse que estava próximo,” eu sussurrei, entorpecida. Onde estava o meu corpo se não estava na terra?

O sol fora encoberto, e eu olhei para cima para ver o serafim sentar perante mim, uma situação tanto chocante quanto entorpecedora. “Seu corpo certamente está em algum lugar entre o agora e o próximo.”

Meu coração pareceu cinza, e eu pestanejei, tentando ver os traços do anjo. Mas houvera esperança em suas palavras.

“Entre o agora e o próximo? O que isso quer dizer?” Estou sentada numa mesa com um anjo no outro lado do mundo. Isso é bizarro ou o quê?

“Significa que seu corpo está perdido, mas o que está perdido pode ser encontrado,” o serafim disse. “Kairos teria posto o seu corpo no único lugar onde permaneceria escondido, mas, ao mesmo tempo, que tivesse acesso imediato. Entre o agora e o próximo.”

Lambendo meus lábios, roubei uma espiadela para o corpo morto de Kairos. “Pode me levar lá?”

Novamente, o serafim sorriu, e eu tive que deixar meu olhar cair.

“Não há lá para onde ir. Simplesmente é. Com o tempo, você será capaz de ver entre o agora e o próximo.” Limpando sua garganta com um gesto bem humano, o serafim estendeu meu amuleto de volta para mim. “Você escolhe tomar isto ou escolherá perecer completamente?”

Como se eu realmente tivesse escolha.

O vento do oceano deslocou minha franja, e eu espiei Nakita, parecendo perdida e linda enquanto esfregava a lisura de suas lágrimas entre seus dedos, tentando entendê-las. “Posso só meio que aceitar?” eu perguntei.

“Só até achar meu corpo?”

O serafim riu. O lindo som balançou o ar, e a mesa entre nós rachou.

“E você não acredita em destino!” ele disse alegremente, de certo modo me lembrando de Grace.

“Estou falando sério,” eu disse asperamente, tentando cobrir meu choque pela mesa quebrada. “Posso fazer isso até encontrar meu corpo, então devolver meu amuleto?” Ficar viva novamente era tudo que eu queria.

Nakita tinha vindo para frente, propósito substituindo sua confusão. Vendo-a, o anjo mudou sua expressão para uma de cálculo. “Se for o que você escolher,” ele disse sagazmente.

“Escolha?” eu perguntei amargamente. “Achei que você era todo destino.”

“Sempre há uma escolha,” o serafim disse.

Eu espiei Kairos e reprimi um estremecer. “Kairos disse que há apenas destino.”

“E Chronos diz que há apenas livre arbítrio,” ele disse com uma cadência sorrateira em sua voz.

O serafim estava aprontando alguma. Falar com ele era muito estranho. Suas emoções eram tão fáceis de ler quanto as de uma criança, mas inacreditavelmente poderosas. Lambendo meus lábios, eu me virei para que não pudesse ver Kairos.

“Qual está certo? Escolha ou destino?”

“Ambos estão,” ele disse. Com uma abafação de tecido deslizando que soava como a luz solar, o serafim se ajoelhou perante mim, o amuleto esticado em súplica.

Eu fiquei de pé, assustada. “Não faça isso,” eu sussurrei, querendo que todos simplesmente me ignorassem.

Vou vomitar. Vou vomitar bem aqui nesse lindo chão.

O serafim olhou para cima, e dor deslizou pela minha cabeça quando nossos olhos se encontraram, quase me cegando.

“Eu te honro. Você pode fazer algo que eu não posso,” ele disse suavemente. “Por tudo que sou e tudo que fui, você é humana. Você é amada por sua criatividade, tanto boa quanto ruim. Eu posso matar, mas você pode criar. Você pode até criar... um fim,” ele disse desejosamente. “Isso é algo que nunca serei capaz de fazer. Aceite isso. Crie.”

Encarei meu amuleto. Era lindo, a pedra negra brilhando com minúsculas luzes prateadas em seu centro como estrelas. Eu não conseguia olhar para o rosto do serafim, doía tanto, mas eu senti que ele estava sorrindo para mim.

“Madison, destino – não escolha – mandou Kairos te matar. O destino lhe deu coragem para reivindicar seu amuleto. O destino fez com que Chronos te escondesse de nós. Foi o destino que distorceu centena de momentos para te trazer aqui. E ainda assim, você tem que escolher aceitar seu lugar ou retornar como era."

Ainda assim eu hesitei em voltar. “Qual você escolheria?” eu perguntei. “Se pudesse.”

O serafim riu. “Nenhum, eu sou eu. Escolha? Destino? Eles são os mesmos. Não consigo ver a diferença. É por isso que só um humano pode retorcer o tempo a sua vontade. Quando voa alto o bastante, ver em torno dos cantos do tempo não é um problema, mas dificulta a separação entre o futuro e o passado.”

Era uma escolha que não era. Destino que era imposto pelo livre arbítrio. Eu não queria morrer, então havia apenas uma opção, e como se em um sonho, eu estiquei-me para tocar meu amuleto, minha vida.

A pele do serafim estava fria, e quando nossos dedos se tocaram, eu senti a vastidão de espaço espalhada perante mim em meus pensamentos. A pedra estava quente, e meus dedos fechados ao redor dela, reivindicando-a novamente.

Em um movimento gracioso, o serafim ficou de pé. “Está feito. Ela tomou seu lugar.”

Rápido assim, estava feito. Nada de trombetas, nada de trompetes. O amuleto descansava na minha mão, sentindo como sempre. Chocada, eu olhei por cima dele. Era isso? Eu sou a timekeeper negra?

Ron suspirou. Nakita estava ao meu cotovelo, seu medo de que eu a deixasse de lado claro em seus olhos arregalados.

“O que você deseja que eu faça?” ela sussurrou, implorando-me para lhe dar uma tarefa.

Eu olhei para o serafim, confusa, e ele disse, “Você tem um desejo. Ela vai assegurá-lo.”

“Salve o Josh,” eu disse, extremamente surpresa por ser tão fácil. Depois de tudo que eu fizera, eu só tinha que pedir? “Ajude o Barnabas.”

As sobrancelhas de Nakita levantaram-se e seus lábios se separaram. “Eu nunca fiz isso,” ela disse, e Ron fez um som de engasgo.

“Por favor,” eu acrescentei, curvando meus dedos ao redor dos dela enquanto ela segurava sua espada.

Nakita assentiu. Suas asas borraram em existência. A brancura delas tremeluziu enquanto ela as enrolava ao redor de si mesma, e com um suave suspiro de ar, ela desapareceu.

“É um bom começo,” o serafim disse, voltando minha atenção para ele. “Você verá, Madison. Seu amigo Josh não acabou de fazer para os outros, tampouco.” Sorrindo, ele se inclinou para perto. Eu não conseguia me mover enquanto o cheio de água limpa fluía para mim, esfriando minha ansiedade e enchendo-me com paz. “Você deveria ir antes que seu pai te chame,” ele disse, e quando beijou a minha testa, eu desmaiei.

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